16 de setembro de 2007

A Flor e a Náusea

Poesia que expressa muito do que queremos expressar. Está nos anexos, de Carlos Drummond de Andrade. Não possuo direitos autorais, não sei se precisa, mas não estamos ganhando dinheiro em cima de nada, a não ser que alguém queira nos dar dinheiro por nada.

A Flor e a Náusea

Preso à minha classe e a algumas roupas,
Vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me'?
Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobrefundem-se no mesmo impasse.
Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas.
Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.
Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornaise soletram o mundo, sabendo que o perdem.
Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.
Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvoe dou a poucos uma esperança mínima.
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotadailude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios, garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia.
Mas é realmente uma flor.
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia.
Mas é uma flor.
Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

2 comentários:

prux, f. r. disse...

Puxa, cada vez me surpreendo mais com o potencial poético de vocês. Não que eu desacreditasse nele, mas porque esse potencial é simples e despretensioso, consegue linkar poesia de ótima qualidade com o trabalho de pesquisa (que poderia ser um fardo técnico e burocrático).
Cada vez mais me convenço de que essa estada na faculdade é cheia de obstáculos de convivência e compatibilidade, idiossincrasia e cooperatividade, mas é uma plataforma de afinidades também - onde garimpamos os futuros colaboradores e parceiros!

Bom trabalho e bons frutos!

Bruno G. Guimarães disse...

O Drummond aprendeu a fazer essas poesias nonsense comigo.
:P

mas olha só... o poema mostra que há esperança e beleza no final das contas, já o nosso filme não. só pra deixar bem claro isso.